12 de setembro de 2018

Alguns crimes e uma 'trairagem fatal' - você saberia identificar cada um e qualificar?

João das Couves, como todos os homens do bairro, se apaixona por Maria Formosa, uma das mais pobres, ambiciosas e belas jovens do lugar.



Naquele pequeno bairro, daquela pequena mas próspera cidade, João das Couves se destacava por ter um emprego decente, ser estudioso e possivelmente ter um excelente futuro na empresa onde trabalhava - uma revendedora de automóveis.




Talvez, por sorte, ou sabe-se lá o porquê, Maria Formosa prefere dar atenção aos galanteios de João das Couves ao invés de escolher outro qualquer, mais bonito e mais estiloso.



O tempo passou e o namoro seguiu firme - mesmo quando alguém vinha contar algo (envolvendo traição de Maria), JC pouco se importava; estava apaixonado e só acreditava no que dizia Maria Formosa.



Alguns meses depois, JC pede MF em casamento. Havia economizado bastante com as comissões que levava pela venda dos carros da empresa onde trabalhava. Oficialmente, na carteira e perante o INSS, ele recebia apenas um salário mínimo.



Realizaram uma boda simples, com poucos convidados - a finalidade era apenas casar; com o dinheiro economizado eles preferiam curtir a lua de mel em algum lugar bonito e compatível com as finanças.



Foi o que fizeram. Escolheram o Cumbuco no Ceará. Maria Formosa queria que todos vissem sua formosura, por isso escolheu praia (quem decidia tudo era ela), só assim, em uma praia, seria possível desfilar e esbanjar seus dotes perante todos os que estivessem "passando" por lá!  Era um tipo exibicionista nata e com a auto-estima nas "nuvens"!



'Pobre' João das Couves; certamente ia passar o "pão que o diabo amassou" nas mãos daquela mulher - avisos e conselhos não faltaram!  Seus pais, irmãos e amigos cansaram de avisar - mas o amor foi maior; a beleza estonteante de Maria Formosa deixou JC de queixo caído e carteira aberta.



JC era um jovem gentil, carinhoso e bastante generoso, diferente da esposa, que queria sempre mais e nunca lhe dava nada em contrapartida, sequer agradecimento ou afeto - pelo contrário, dizia que era obrigação dele lhe dar "do bom e do melhor" - tudo que pudesse; afinal, onde ele encontraria outra igual a ela (bonita e desejada por todos?).



Após 4 (quatro) anos de casados, com mais 1 (um) estudando e ainda namorando, finalmente João cola grau em Direito - muito investimento, dedicação e perseverança fez dele o aluno laureado da turma. Sua família (os pais e irmãos) comemoraram muito (era o primeiro Bacharel na família); Maria formosa, no entanto, fez a plena e mais uma vez apenas cobrou: "Agora é passar, o mais rápido possível, no Exame da Ordem - estou cansada de viver com um vendedor de carro"!



João das Couves estava vivendo um casamento abusivo, um casamento com violência psicológica e possivelmente sendo traído. Entretanto, seu amor, sua paixão avassaladora por Maria Formosa não o deixava decidir pelo divórcio.



O que Maria desejava, aconteceu!



Na primeira tentativa João conseguiu aprovação no exame da OAB - todavia, naquele momento seguiu sendo apenas uma carteira profissional, sem muitas perspectivas na área; ele continuou vendendo carros na mesma empresa - esta tinha seus próprios advogados, não foi possível inserir JC no 'time'; quiçá, no futuro, ele tivesse uma chance lá mesmo; prometeu o Gestor.

casamento simples - por pixabay
Infelizmente, na comunidade onde vivia não havia possibilidade de abrir um escritório e fazê-lo funcionar adequadamente (todos ali eram muito pobres) e, por outro lado, os colegas da Faculdade se associaram aos parentes, amigos ou outros colegas, com mais dinheiro; mesmo que ele fosse convidado não poderia aderir pois NÃO tinha recursos financeiros suficientes; sem falar que isso dificilmente aconteceria - "amigos" de curso eram raros (passou quase 5 anos sendo discriminado por ser pobre demais e ter entrado pelas cotas), isso acabou afastando ele de seus colegas - durante o período de faculdade pouco socializou - além do mais, no final das aulas corria para casa (não sobrava tempo para amizades de 'barzinhos'); o que ele verdadeiramente queria era estar mais tempo ao lado de Maria Formosa - lamentavelmente, nem sempre ela estava em casa quando ele voltava, apesar de já ser tarde da noite.


Maria mal terminou o ensino médio; acreditava que com sua beleza não precisaria de muito para se dar bem na vida. Adorava as noites e os 'butecos', com o tempo passou a fumar e beber. Já nem era mais aquela belezura toda de quando se casaram; todavia, JC continuava apaixonado. 

Em um final de semana João decide acompanhar Maria em uma festinha do bairro. Seria a inauguração de um centro comunitário - um local onde haveria quadras de esportes com instrutores, parquinhos para a criançada, academia pública para moradores e o ensino de algumas atividades para pessoas mais velhas (crochê, bordado, pintura em tela, corte e costura, etc). 

Tudo isso era uma super novidade; afinal, lá o que havia era violência e mais nada! Por isso valia a pena comemorar juntamente com a Prefeitura que, para se promover e alegrar os pobres cidadãos do lugar, contratou a melhor banda da cidade para tocar em um baile de inauguração, dentro da quadra, do novíssimo centro comunitário.

No entanto, o que era para ser um dia feliz ao lado de Maria Formosa, tornou-se o pior dia da vida de João. Em um breve 'descuido', e após ter sido alvo de várias chacotas (e por quatro anos), João, finalmente flagra Maria se esfregando com um homem em meio a todos - eles sequer se deram ao trabalho de ir para um local discreto. Naquele momento João se dá conta de que tudo que falavam era verdade, ele só não queria ver, nem saber!

O descuido de que falamos foi para ir buscar uma garrafa de cerveja para Maria e um refrigerante para ele -  quando voltou deu de cara com a cena mencionada anteriormente - todos o olhavam e riam!

- O que fez João naquele momento?  

Não pensou em nada, só sentiu a raiva ultrapassar os limites da normalidade! Em um impulso quebrou a garrafa na cabeça do homem que Maria estava agarrada. Após quebrar, meteu o restante do caco na barriga do fulano e saiu do local correndo. Infelizmente é apanhado em fuga, por policiais que faziam a ronda na inauguração!

Preso em flagrante, apresenta-se educadamente como Advogado e passa a ter prisão especial. 

Ao receber o Auto de Prisão em Flagrante (art. 310 CPP) o Juiz decretou a preventiva pois havia 2 (dois) requisitos do artigo 312 do CPP; quais sejam: prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria.

Ele mesmo redige seu pedido de liberdade provisória que é prontamente deferido pelo juiz (motivo: não preenche todos os requisitos para preventiva; além do mais não tem antecedentes,  possui residência fixa, é trabalhador honesto e de longa data, exerceu por diversas vezes como jurado e também como mesário em várias eleições; enfim, é um cidadão exemplar e seu patrão comprovou tudo isso e a falta que faz no trabalho.  Afortunadamente a vítima não faleceu - teve 'apenas' ferimentos graves no abdômen, todavia já em recuperação.

Concedida a provisória sem fiança, João das Couves volta ao trabalho e inclusive para o lar e a mulher como se nada houvesse passado. Algum tempo depois saí a decisão e é condenado a pena mais branda possível, porque conseguiu se valer de todas as atenuantes - afinal, como já afirmamos, JC era um cidadão exemplar. Mesmo assim foi parar na prisão!

Inconformado, triste e um pouco depressivo, JC aceita a primeira proposta do chefe (da empresa onde trabalhava) para tentar uma fuga e ir viver em uma cidade distante, em outro Estado, onde haviam aberto uma filial e ele seria o Administrador e Procurador oficial da nova 'loja'.

Com a ajuda de alguns e o envolvimento de agentes carcerários que aceitaram propina para facilitar a fuga, JC acaba conseguindo desaparecer.

Maria Formosa, que agora de formosa tinha pouco, descobre a fuga porque deixa de receber o auxílio reclusão; não porque lhe avisaram ou porque ela se preocupava em ir visitá-lo.

Mulher ruim, de coração péssimo, já vivia extraoficialmente com o meliante; vítima de JC. Entretanto, não estavam sob o mesmo teto justamente por causa do auxílio reclusão.  Quando deixa de receber enlouquece e vai procurar, de todas as formas, saber o paradeiro de JC, para que pudessem capturá-lo e ela voltar a receber o auxílio.

Um 'belo dia', que não foi nada belo, JC sente imensa saudade de Maria Formosa e acaba ligando para ela. Com muito custo e a promessa dela de ir viver com ele e mudar o comportamento, João das Couves conta onde está e ainda manda o dinheiro para ela ir morar com ele.

Ela recebe o dinheiro da passagem, mas ao invés de ir conta para a polícia qual é o paradeiro de JC. Felizmente, já havia passado muito tempo e a pena não era tão extensa, a polícia do lugar onde vivia antes e a de onde passou a viver tinha JC como um excelente cidadão, não valia a pena capturá-lo e devolvê-lo a prisão por tão pouca coisa e tão exíguo tempo de pena.

A finalidade de MF era ter JC de volta à prisão para continuar recebendo o auxílio reclusão até o fim, mas se deu mal - ele não foi recapturado e ela teve que engolir em seco porque JC acabou descobrindo que ela o havia 'delatado, alcaguetado'! Naquele momento JC acabou de vez com o encanto que tinha por ela. No final das contas ela já tinha outro e era exatamente o fulano ferido por JC - um pequeno traficante, participante da melícia local. Para Maria Formosa, esse também era um bom partido (tinha futuro).

No final das contas, MF conta ao novo companheiro, onde foi parar seu ex.; não deu outra: o fulano dirigiu-se até a cidade onde João das Couves estava morando e deu cabo da vida do pobre coitado!

Ninguém (exceto Maria) nunca teve certeza de quem foi o assassino; após muitas investigações o caso foi encerrado. Maria Formosa teve dois filhos com o tal fulano e acabou se transformando em Maria Feiosa -  desde então quem passou a ser 'chifruda' e maltratada, foi ela!

6 de setembro de 2018

Breve análise das Cotas no Serviço Público e na Educação

Geralmente, recebo por email muitas perguntas sobre cotas em concursos públicos; isso talvez se deva ao fato de já ter escrito uns 5 ou 6 artigos sobre o tema (em meus blogs e no JusBrasil). 

A Lei que regulamentou tal benesse é a 12.990/2014 - a quantidade de vagas será sempre de 20% do total quando o número for igual ou superior a 3 (três) vagas.

Infelizmente, muitos criticam mas não sabem que ela já nasceu com tempo de vida determinado. São 10 anos para tentar reverter a injustiça feita durante mais de 500 anos.

À princípio, a Lei em questão era aplicada exclusivamente para Administração Pública Federal e suas Autarquias, Empresas Públicas, Sociedade de Economia Mista e Fundações Públicas (controladas pela União); no entanto, nos últimos tempos, afortunadamente alguns órgãos do Judiciário e Legislativo, vem reservando parte de suas vagas para pessoas afrodescendentes. 

Tanto essa Lei, quanto a anterior (a 12.711/2012), que reserva 50% das vagas aos alunos oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita, "favorece afrodescendentes". Isso aconteceu devido a uma mudança de redação nos artigos 3º e 5º, dada pela Lei 13.409/2016 com o intuito de beneficiar afrodescendentes, indígenas e pessoas com deficiência, que tenha interesse em ingressar em instituição FEDERAL de ensino superior ou médio-técnico.

Veja a letra da Lei 12.711/2012 (alterada).
Art. 3o  Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1o desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.          (Redação dada pela Lei nº 13.409, de 2016) 
Parágrafo único.  No caso de não preenchimento das vagas segundo os critérios estabelecidos no caput deste artigo, aquelas remanescentes deverão ser completadas por estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.
 (...)
Art. 5o  Em cada instituição federal de ensino técnico de nível médio, as vagas de que trata o art. 4o desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do IBGE.          (Redação dada pela Lei nº 13.409, de 2016)
Parágrafo único.  No caso de não preenchimento das vagas segundo os critérios estabelecidos no caput deste artigo, aquelas remanescentes deverão ser preenchidas por estudantes que tenham cursado integralmente o ensino fundamental em escola pública.

Tanto a Lei própria, a que foi citada no início deste texto, a que reserva vagas em concursos públicos para afrodescendentes, quanto essa que alterou a do Ensino Superior, acrescentando reserva também para afrodescendentes, indígenas e pessoas com deficiência em instituições de ensino federal, tem tempo determinado. Não é eterna - não há um porque de parte da população arvorar-se contra ela. 

Supõe-se que, quando a 'justiça for feita', quando houver a mesma quantidade (ou, pelo menos equivalência) de pessoas em universidades e no serviço público, a Lei deixará de existir. Perderá a validade e todos (os que eram contra) serão felizes 'para sempre'!

Segundo consta nas duas leis o tempo de validade é de 10 anos a contar da publicação (melhor seria, vigência, mas não fui eu quem redigiu e aprovou).
Art. 7o  No prazo de dez anos a contar da data de publicação desta Lei, será promovida a revisão do programa especial para o acesso às instituições de educação superior de estudantes pretos, pardos e indígenas e de pessoas com deficiência, bem como daqueles que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.          (Redação dada pela Lei nº 13.409, de 2016) 
Art. 8o  As instituições de que trata o art. 1o desta Lei deverão implementar, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) da reserva de vagas prevista nesta Lei, a cada ano, e terão o prazo máximo de 4 (quatro) anos, a partir da data de sua publicação, para o cumprimento integral do disposto nesta Lei.
Para terminar, deixo aqui um vídeo com perguntas e respostas de emails que, volta e meia, recebo.